Tuesday, February 26, 2008

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Sunday, February 10, 2008

(In)sensibilidade

Biblioteca Nacional de Moçambique

Saturday, February 09, 2008

AMEAÇA SILENCIOSA: O PODER DAS MASSAS POPULARES (*)

O último e fatídico dia 05 de Fevereiro será lembrado, por muitos, como um dia de greve, por alguns, como o grandioso dia da insurreição do povo e por outros, ainda, como um dia de desespero, dor e perdas, algumas delas irreparáveis. Nossos canais de comunicação infelizmente não conseguiram dar cobertura a toda a trama que se desenrolou desde o raiar daquele dia.

As estatísticas da manhã seguinte ainda indicavam a morte de apenas uma pessoa, mas o fato é que a vizinha de meu colega de trabalho estava, naquela mesma manhã, a velar o corpo de sua irmã que ficara estatelado, durante horas, na Praça dos Heróis Moçambicanos, após alojar uma bala que se perdera e que só se foi achar em sua testa franzina e desprotegida.

Do amanhecer ao anoitecer, Maputo assistiu a uma revolta e destruição desmedidas que tiveram como mote o aumento de 50% no preço da passagem do Chapa 100. Quem pagou foi o próprio cidadão, que além de ter sido apanhado pela tarifa mais cara naquele dia, ainda teve que, dos males o menor, voltar à casa a pé. Outros perderam seus carros nas mãos de vândalos descontrolados, outros ainda tiveram ferimentos leves, ou graves. E há os que como relatamos, perderam a vida.

Mas fico a me perguntar: foi, de facto, o 05 de Fevereiro, um dia de greve contra o aumento abusivo como noticiaram nossos telejornais? Uma demonstração viva e intensa da reivindicação de um direito de cidadania? Digo de antemão que NÃO SÓ!

O dia 05 de Fevereiro foi muito mais que isto!!! Foi, na verdade, uma pequena amostra da revolta contida e silenciosa, resultado das grandes desigualdades sociais de um Moçambique cheio de contradições.

Digo isto porque, muito mais eficaz do que ouvir o noticiário da TVM ou da STV foi ouvir o que tinham a dizer as pessoas que fugiram das pedras lançadas às cegas, dos pedaços de pau em riste nos punhos de crianças, da fumaça de borracha queimada no asfalto, dos estilhaços de vidro na estrada.

Muito mais esclarecedor foi conversar com os que tiveram que descer de seus carros abandonando-os à própria sorte para salvarem suas vidas, foi “ver” os tiros na carcaça dos que se aventuraram a atravessar a barreira, foi dialogar com os jovens que não tiveram aula e que correram assustados pelas ruas da região central da Cidade das Acácias, foi ouvir as empregadas domésticas que quase não chegavam ao trabalho, enfim... nada melhor do que colher os detalhes tal como eles se deram no terreno.

E esse conjunto de relatos me conduz a uma constatação: já passa da hora de nossas autoridades e da classe média-alta perceberem que, num país onde assola a fome e onde não existem infra-estruturas básicas de saúde, moradia, transporte, educação..., enfileirar carros na garagem não é sinal de status, mas de parvoíce e ignorância. Já há muito deveriam ter percebido que a política de “dá cá o meu (e o que não é também) e os outros que se lixem” é insana e só leva a um lugar: o da revolta!

Costumamos dizer que o ser humano é o único bicho que se adapta a tudo. Mas também é verdade que o homem é o único ser racional. È o único dotado de inteligência. E é justamente por isto que, apesar de conseguir se adaptar às piores situações de injustiça e desigualdade, ele também pode ser imprevisível e, à medida que toma consciência do quão tem sido injustiçado, é capaz de reagir, muitas das vezes com grande violência.

E é aí onde reside o perigo e é também onde está o maior sintoma da insensatez de nossas autoridades e da classe média-alta moçambicana. Será que não percebem que este sistema de muros altos, de grandes mansões, de carros blindados, de seguranças armados, aliado ao esbanjamento desmedido e ao show off deslavado, tudo isto só desperta e alimenta a revolta do povo?

Não percebem que aos poucos põem em risco a própria vida? Que ao acumular riquezas sem pensar no bem estar social de seus compatriotas e irmãos, não estão a dar provas apenas de uma profunda pobreza de espírito e de solidariedade, como também a fazer uma declaração de despreparo e imprudência? Não sabem que nem mesmo as balas da polícia são capazes de deter uma multidão indignada e enraivecida?

Antes de ontem foi o Chapa 100, ontem foi o preço da gasolina, hoje o do pão, amanhã será o desemprego e depois os baixos salários, até que não seja preciso um motivo evidente, mas tão e somente, o enfurecimento com tudo e com todos que estejam calados e bem acomodados neste sistema de sanguessugas.

Dessa vez soergueram-se pobres contra pobres, famintos contra seus iguais, marginalizados e excluídos contra seus pares, afinal, quem é que conduz ou se locomove por meio de Chapa 100 neste país? Mas amanhã poderão perceber que mais vale se unirem contra os boss, contra aqueles que não se incomodam de olhar a miséria “alheia” como um veículo para incharem seus próprios bolsos.

Já bem diz o velho dito popular: “onde come um, comem dois!” e se é que não compreenderam, deixem-me explicar: nosso problema não é a pobreza, mas a má distribuição dos recursos escassos. É o só pensar na própria barriga, fartar-se de comer às custas do que vem de fora (os doadores que o digam) e só deixar as migalhas que caem da mesa (ou nem isto) para nossos irmãos.

Enquanto continuarmos a dizer que no prato não há o bastante para dois, esta revolta contida continuará a ser gestada, até que explodirá. E aí meu amigo, talvez nem prato lhe vá restar!

(*) Texto de Denise Mangue