Sunday, November 20, 2005

A esquina é minha

Perturba-me a guerra dos ardinas, cada vez que alguém se aproxima para comprar jornais. É uma aflição. Há sempre uma corrida muito disputada, com empurrões de ombro (bem à jogador de futebol) e insultos pelo meio, com riscos de serem atropelados. Perguntei a um amigo porque não faziam uma escala rotativa, imagino que permitiria que todos vendessem, sem luta. Explicou que essa racionalidade não fazia sentido para quem, como ele, tem que garantir rapidamente o dinheiro para a refeição do dia, que nunca é certa - «a regra é quem vê primeiro o cliente, às vezes é difícil saber, mas há sempre quem tem a mania que é mais esperto» explica-me. Deve haver um pacto momentâneo de guerra. À seguir estão todos à conversa no passeio ou unidos noutra guerra contra outros concorrentes - «somos todos brothers. O principal problema são aqueles que não são da esquina, aí já são problemas. Alguns até dizem o meu pai era ardina e deixou esta esquina para mim. E se te disserem só isso, já é sorte, porque podes até levar porrada!», conta-me. Ele próprio teve um processo gradual de ascensão na carreira. Começou por ser intermediário de outro ardina, até ter o seu próprio negócio e conquistar um lugar na esquina - «agora até fazemos sociedade para comprar muitos jornais porque dá desconto». Há, apesar de tudo, lugar para pactos ocasionais com estranhos à esquina - «o gajo de fora não pode vender os jornais com pouca saída, até nós acabarmos os nossos e ainda nos orienta um taquinho no fim». Nunca se quebram as regras, assegurou-me. Sabe-se lá o que aconteceria se a regra fosse violada - «experimenta…!», desafia-me, acrescentar mais nada. A gravidade com que o exclama fala por si...

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