Caviar em tempo de guerra
Anos 80, a meio caminho do futuro. A guerra entra-nos pelas casas adentro. Assustador, doloroso, revoltante... Habituamo-nos? Vivemos, simplesmente. Vigiados no estômago e no sentir. Aprendemos a fintar as rusgas. Mapeamos outros caminhos, entre os quintais, trilhos e ruas de paz. Inventamos espaços de liberdade. Há farra, apesar de tudo. Entramos numa festa organizada por cooperantes de uma ONG internacional. Encontramos alguns mais-velhos da zona. Orientam-nos. Atravemo-nos nas pitas, mas antes saciamos vontades mais prementes. Bebemos e comemos caviar. Só mais tarde sabemos o que é. Sabor estranho, não combina com repolho. Tropeçamos no inglês. Que importa? Também enrolamo-nos em inglês. Esquecemos. Mas nem tanto. O dj é amigo. Os olhos pedem nos barracos da cidade. «Gente estúpida...gente hipócrita», seguimos Gilberto Gil. Só nós, os (des)vinculados. Os brôs entregam-se a outros pecados. Os mais-velhos apelam calma. Apetece-nos o proibido. Transgredimos. De manhã respondemos pelo crime mais preocupante para a nação: poluição sonora. Hoje recebo a música, acompanhada de memórias e de uma nota biográfica da casa do caviar: «foi afectada ao chefe». O mesmo chefe que vendia promessas. Agora compra futuros para si próprio. Gente hipócrita...pois. E o caviar...? Gente mais estúpida, lá está...
10 Comments:
Oi,
E, mais uma vez, voltei atrás no tempo... para os anos 80. Identifico-me com o teu discurso. Apesar dos pesares, tenho esses anos guardados com muito carinho aqui no meu peito.
As farras... havia alturas que as farras calhavam no mesmo sábado. Viamo-nos obrigados, como organizadores das mesmas, a ter, durante a semana que as antecedia, uma "reunião" como os outros organizadores (muitas vezes era o primeiro contacto com eles) para se remarcar uma das bangas para sexta-feira para que o pessoal não tivesse que escolher a qual delas ir.
E já no final das festas a conversa era uníssona: "onde é a farra na próxima semana?". Se não houvesse havia Búzio... nem que fosse a pé.
O belo tempo das cassetes de 60 minutos... as de 90 enrolavam a meio da música. :)
Abraço grande, amigo.
Rui
Eu sabia que valia a pena continuar a passar tantas vezes... a qualquer momento, um post especial à nossa espera. Sei que adianta pouco insistir para postares mais (há teimosias que...), só não deixes nunca de o fazer (quer para os que regressam a momentos que viveram, quer para os que regressam ao que não viveram e conhecem também por aqui)...
Concordo em absoluto com o que o "p d tulipe" disse.
Venham mais destas.
Abraços,
Rui
É verdade, Rui. Ainda fui a várias no teu prédio, organizadas por ti e outros amigos.
Olá PdT, que faz falta é o chá. Então? O inverno já passou...ou não?
Bjs
:)
Então, se foste a várias festas lá, porque não visitar a ciber-versão do Prédio da Tempo (http://prediotempo.blogspot.com/)?
Abraço e cá te espero.
Rui
Tenho visitado, Rui. Para além de outras coisas, fiquei também a saber que o Pedro Mendes está por perto. Fixe! Abraço.
andré, leste o livro mais recente de nadja manghezi sobre as relações entre o anc e moçambique? pois bem, conta-se nesse livro que nos tempos sobre os quais tu escreves, pamela dos santos (mulher de marcelino dos santos) trocava latas e latas de caviar por cebola e batata que os do anc tinham em abundância. até então quem comia o caviar em casa da família dos santos era o gato...
Alô ESM! Ainda não li o livro. Por estes lados, há coisas tardam a chegar.
Os trajectos do caviar e...de certos gatos...!
Estranho...ou talvez não. A minha mãe fazia "sudje" (já era um luxo) para mim e para alguns amigos do ANC que viviam perto de casa. Mas esses eram militares em trânsito para a guerra. Faz sentido. Abraço
era trânsito para a morte. leia o livro. era trânsito para a morte. horrível.
Estou muito curioso. Espero que haja algum portador nos próximos dias. Abraço
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