O revolucionário profissional
No dia de exaltação da revolução moçambicana, oiço a história de João Virtuoso, provavelmente um «revolucionário profissional» ao nosso estilo. Saiu da prisão poucos dias depois dos Acordos de Lusaka. Impôs-se como líder de um grupo de amigos regressados da luta armada. As velhas cumplicidades e hierarquias entre os amigos grupo resistiram ao tempo e à formação ideológica. Uma farda emprestada e uma patente composta fizeram de João Virtuoso um revolucionário respeitável. O Infulene era a sua área de influência, a sua zona libertada. Na rua «V», famosa pelas mulheres que a habitavam, montou a base central, o seu dormitório oficial. Cada visita de Virtuoso era coroada por uma pequena parada organizada por ele próprio. A entrada triunfal era saudada com devida vénia. Afinal sempre trazia uma mala com os frutos da revolução: jóias, roupas e alguma comida. Distribuía-os pelas «eleitas» do bairro. Prometia o futuro ao mundo. O que oferecia era apenas uma pequena amostra do que viria, simplesmente o início dos novos tempos. Depois de consolidar a sua popularidade no bairro, assumiu o controle da produção. Apostou na padaria local. João Virtuoso passou a receber gratuitamente 20 sacos de pão. Não se esforçava em argumentos, a «necessidade histórica» justificava-lhe as atitudes. Os pães seriam entregues aos camaradas do quartel, convencia-se o dono da padaria. A revolução exigia sacrifício de todos. Apesar dos tempos serem de grandes certezas, os mais cépticos desconfiavam da seriedade revolucionária de João Virtuoso. Desprevenido contra certas subtilezas, tropeçava em confissões sobre a morte dos brancos e outras brutalidades. O cerco começava a apertar. Antes que fosse completamente desmascarado, mandou anunciar que tinha morrido ao serviço da pátria. Alguns moradores da rua «V» ainda solicitaram que o bairro observasse um minuto de silêncio em sua memória, com direito a honras partidárias. Antes da data da cerimónia, João Virtuoso foi atraiçoado pela consciência de B., a única «eleita» que forçara confidências mais sérias. B. exibiu «provas irrefutáveis» ao secretário da Célula do Partido. Semanas depois chegou a notícia da verdadeira morte de João Virtuoso. Foi morto noutro bairro da periferia de Maputo quando se preparava para criar outra zona libertada. A B. foi destinado um percurso político invejável. Há quem ainda reconheça algumas frases e tiques de João Virtuoso nos discursos de B. Afinal sempre mereceu uma homenagem.
4 Comments:
Os Virtuosos são inevitáveis, fazem parte de todos os processos sociais quando em turbilhão.E não é para qualquer um conseguir sê-lo. Mas quase todos afogam-se no matope da glória inventada.
Viva Carlos! Pois....quase todos. Os mais perigosos normalmente aprendem a nadar...Abraço.
tudo dito!
Olá! Bom regresso.
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