Um sonho de mulelendjane
Há sempre coisas com que sonhamos e que nunca chegamos a ter. Assim como há coisas que temos e que nos permitem viajar para outros sonhos. Sempre quis ter uma bicicleta. Era um assunto delicado, debatido com muito afinco, ao qual voltava teimosamente. Lembro-me que me esforçava em argumentos desesperados contra os mais velhos, avisados dos perigos da estrada - «comprar uma bicicleta é o mesmo que comprar a morte», sentenciavam. Avançava em vão com comparações favoráveis, cálculos aliciantes e promessas de rigor na condução. A decisão estava definitivamente tomada. Os argumentos cruzavam o continente, ao encontro de outros membros da família. Esperava meses, ansioso por uma carta que afinal remetia a discussão para o mesmo lugar - «não posso interferir nisso, discutam e encontrem a melhor solução». Em segredo, acabámos por montar (eu e EB) uma bicicleta. Por vingança, peça a peça, montámos uma bicicleta dupla! Construímos uma aventura (e não a morte!). Conquistámos a cidade, até ao dia em que a «dupla», cansada, partiu-se ao meio. Ao ver o centro de montagem de bicicletas de um mercado informal, refaço o trajecto de cada peça da «dupla». Reencontro a sagacidade de transformar o nada em alguma coisa e percorro histórias de sobrevivência que nos arrancam um sorriso…
6 Comments:
Adorei este post. Quero acreditar na capacidade de transformar «o nada» em alguma coisa, numa aventura, mesmo que poucos estejam convencidos... Força na construção das tuas bicicletas!!
Obrigado, Ki. vale a pena acreditar. Força para ti também.
Tens uma técnica narrativa admirável a caminhar para a excelência. Para mim, mas quem sou eu para aferirar?
Sempre generoso, Carlos. Obrigado. Um abraço.
Porque o sonho comanda a vida... Nunca uma bicicleta me pareceu tão bonita.
E nunca um sonho me pareceu tão real, sempre presente. Obrigado.
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