Espelho colonial
«Nesta casa, onde há patroas rivais, os criados fazem a sua labuta de ombros curvados numa tentativa de se esquivarem aos excessos de mau humor. Enfadados com a labuta, aquelas zangas são, por vezes, uma benesse, embora também saibam que, para eles, será melhor que reine uma certa harmonia. Ainda não chegou o dia em que os gigantes se guerrearão deixando que os anões desapareçam na noite. Perante sentimentos contraditórios que, não os avassalando por vagas sucessivas, mas sim como uma miscelânea confusa de raiva, desapontamento, ressentimento e júbilo, sentem-se aturdidos e dá-lhes vontade de dormir. Querem estar na casa grande, mas também lhes apetece ficar em casa, a mandriar e dormitar num banco, à sombra. As chávenas escorregam-lhes das mãos e partem-se no chão. Ciciam, nervosamente, pelos cantos. Ralham aos filhos sem motivo. Têm pesadelos. É esta a mentalidade dos criados.»
[J.M. Coetzee, No coração desta terra, Lisboa, Dom Quixote, (17-18)]
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