Monday, December 29, 2008

Angola, eu te morro

A chegada anuncia os meandros da terra. Pessoas diversas, em enxame, ansiosas por passar o rastreio de sanidade aérea. Muitos cartões amarelos postos de lado e mais alguns recolhidos debaixo do sovaco vão parindo aflições. Uma burocracia desatenta, mas que abre outras oportunidades de negócio. Os passaportes embrulham gazuas de papel que arrancam um carimbo e um “pode passar” que, ainda assim, teima em ser autoritário. Não vale a pena chinguilar, é só passar.

Do lado de lá da fronteira dos carimbos o mundo é imitado por excesso. As estatísticas exigem a invenção de novas escalas de êxitos. Tudo é uma hipérbole, até as sobrancelhas em riste contra a consciência. Seduz-me a bwala, pelo que tem de verdade, de mentira e também de fantasia. A bwala é um travesti que só está malaique quando quer. Ali nascem e morrem vidas que os números calam e inventa-se uma outra aritmética e uma nova gramática: agarra-se com bico de gafanhoto esses números timbrados que estão sempre a subir. A bwala, ávida de finais felizes, também faz barriga sua certos mundos distantes. Fala em dobradinha histórica, a propósito de Obama e de Hamilton. Com o sentimento de quem repõe a verdade, lembra-se de Douglas Dilman, O Homem de Irving Wallace, o negro que foi presidente dos EUA por acaso. Que interessam as dissemelhanças, as contradições, as ratoeiras ou os contextos? O importante é matar a nostalgia de uma narrativa cativante. Isto porque o mujimbo da terra não basta, é como o funji. Ama-se e odeia-se ao mesmo tempo, sem necessidade de explicações. Sente-se.

Mas a bwala também é cheia de umbigos. Altiva de si própria, excede-se de vida e de ousadia. Não sei se por ironia, por sede de vingança ou por outras razões, tudo ganha novo sentido. Até as coisas são eloquentes. Por lá as pessoas sentam-se sobre a história quando se deliciam do mufete, da kisaka e do calulu. Sentam-se numa “espera condições”, uma cadeira que nos ensina que estar malaique só pode ser provisório. Nessa coreografia de altivez e de sedução, a bwala canta, dança, fala para si. Também chora, é certo. Um pranto que canta um amor eterno: Angola, eu te morro. Lágrimas que são o uanga, o purificador de espíritos que sossega as kubatas e sopra as bandeiras orgulhosamente hasteadas em cada canto da bwala.