Friday, September 29, 2006

Metamorfoses do nada

Cada um tem o seu apeadeiro. Alguns tiveram uma viagem curtíssima, a revolução não lhes corria no sangue. Foram obrigados a sair ao encontro de uma vida burguesa e de uma utopia do quotidiano. Outros, de punhos preenchidos com legítimos ismos, prosseguiram, ávidos de transformações radicais. Desceram no lugar onde o materialismo histórico resolveu adormecer. Poucos souberam seduzir os destinos. Esses são de lugar nenhum, sendo de todos. Estão sempre de passagem na própria casa. Prerrogativas de quem é um verdadeiro paradoxo. Pertencem a eles próprios, dão-se ao luxo de ter um preço. Agora falam de justiça. Proclamam repetições em nome de transformações. Exaltam a sua própria ambivalência. Memórias, relatos, discursos, diagnósticos, péssimas repetições, desculpas previsíveis, pompas, gravatas, marcas, mas sobretudo vazios. Ausência de tudo. Que importa? Rende e rende bem. Vende-se e compra-se muito bem. Circula dinheiro, reconstituem-se influências, multiplicam-se fingimentos, alimentam-se vaidades. É o Estado de Direito. Pois, eu já devia saber disto. Estou farto!

Para além das palavras

«Os pretos são comparação», uma metáfora desconcertante de Fanon que exprime a angústia de liberdade, as formas de protesto contra o estigma colonial. Fanon explica que através da «comparação» se conserva uma alteridade de ruptura, de luta pela dignidade humana. É exactamente isto que tento de perceber nos polémicos retratos (de confronto) que o artista plástico Abrão Vicente traça, a propósito da sua participação na bienal de cultura:

E lá vamos nós a caminho de Maputo […] Felizes porque é sempre uma honra representar Cabo Verde seja em que circunstância for. Ser cabo-verdiano foi aliás a única razão de altivez que ostentamos durante toda a Bienal. Os moçambicanos orgulhavam-se obviamente por serem anfitriões, os angolanos por terem cometido a proeza de levar trinta e seis “criadores” (entra na lista intérpretes em playback de músicas de Susana Lubrano e Bela), incluindo claro uma equipa de televisão e rádio, os de S. Tomé, contentes por serem descendentes de cabo-verdianos, os de Portugal altivos, distantes, arrogantes olhavam para nós lá do alto e declararam-se os donos da Lusofonia […] Guiné Bissau não se fez representar por motivos de força maior, ou seja, pobreza extrema, fome, corrupção, a conjuntura internacional pouco favorável […]Brasil, esse sim, foi decente, simplesmente “não vamos”, não há orçamento para essas actividades extraordinárias (revista A Semana, Setembro de 2006).

Há quem afirme que isto apenas reflecte os traumas de uma insularidade ressentida. Duvido…

Thursday, September 28, 2006

Fair Play: "18 maravilha" à conquista do mundo

Foto daqui

Tuesday, September 26, 2006

0-1

Bem guardadinho nas cuecas o recado que Petit recebeu, mas não foi suficiente para resolver o problema. Concretização zero. Saha, matador, fez o que lhe compete. Apesar do resultado, um bom jogo do SLB. Uma primeira parte excelente. Alguns lenços brancos…injustificados. Para já, simplesmente uma pequena dúvida: porque terá saído Paulo Jorge?

Monday, September 25, 2006

O revolucionário profissional

No dia de exaltação da revolução moçambicana, oiço a história de João Virtuoso, provavelmente um «revolucionário profissional» ao nosso estilo. Saiu da prisão poucos dias depois dos Acordos de Lusaka. Impôs-se como líder de um grupo de amigos regressados da luta armada. As velhas cumplicidades e hierarquias entre os amigos grupo resistiram ao tempo e à formação ideológica. Uma farda emprestada e uma patente composta fizeram de João Virtuoso um revolucionário respeitável. O Infulene era a sua área de influência, a sua zona libertada. Na rua «V», famosa pelas mulheres que a habitavam, montou a base central, o seu dormitório oficial. Cada visita de Virtuoso era coroada por uma pequena parada organizada por ele próprio. A entrada triunfal era saudada com devida vénia. Afinal sempre trazia uma mala com os frutos da revolução: jóias, roupas e alguma comida. Distribuía-os pelas «eleitas» do bairro. Prometia o futuro ao mundo. O que oferecia era apenas uma pequena amostra do que viria, simplesmente o início dos novos tempos. Depois de consolidar a sua popularidade no bairro, assumiu o controle da produção. Apostou na padaria local. João Virtuoso passou a receber gratuitamente 20 sacos de pão. Não se esforçava em argumentos, a «necessidade histórica» justificava-lhe as atitudes. Os pães seriam entregues aos camaradas do quartel, convencia-se o dono da padaria. A revolução exigia sacrifício de todos. Apesar dos tempos serem de grandes certezas, os mais cépticos desconfiavam da seriedade revolucionária de João Virtuoso. Desprevenido contra certas subtilezas, tropeçava em confissões sobre a morte dos brancos e outras brutalidades. O cerco começava a apertar. Antes que fosse completamente desmascarado, mandou anunciar que tinha morrido ao serviço da pátria. Alguns moradores da rua «V» ainda solicitaram que o bairro observasse um minuto de silêncio em sua memória, com direito a honras partidárias. Antes da data da cerimónia, João Virtuoso foi atraiçoado pela consciência de B., a única «eleita» que forçara confidências mais sérias. B. exibiu «provas irrefutáveis» ao secretário da Célula do Partido. Semanas depois chegou a notícia da verdadeira morte de João Virtuoso. Foi morto noutro bairro da periferia de Maputo quando se preparava para criar outra zona libertada. A B. foi destinado um percurso político invejável. Há quem ainda reconheça algumas frases e tiques de João Virtuoso nos discursos de B. Afinal sempre mereceu uma homenagem.

Friday, September 22, 2006

Como uma luva...

«Se me apoiou e agora vem dizer que está arrependido de o ter feito, o senhor presidente do Benfica é um arrependido»
Valentim Loureiro (frase tirada daqui)

Thursday, September 21, 2006

Patológico?

Começo a acreditar que só uma reencarnação traumática pode explicar que me lembre do homem do talho a gabar os bifes, sempre que oiço um agrado sereno dos enfermeiros: «este tem boas veias…».

Sentir recíproco

- Podias ter mandado um mail a dizer que estavas bem.
- Mandei-te mensagens para o telemóvel.
- Eu mandei-te vários mails… As amizades alimentam-se.
- Não, as amizades sentem-se. O resto é menos importante.
- Ok.

Tuesday, September 19, 2006

Em paz...

Para a Maria.

Sunday, September 17, 2006

Ritmos (dá-lhe?)

Há músicas que mexem connosco pelo ritmo e que nos perturbam pelo sentido que veiculam. Balançamos os corpos, conscientes da antinomia que se esconde atrás dos movimentos. Em nós também encerramos as contradições do mundo. Penso, por exemplo, na música do Ziko, maboazuda: as mulheres (boazudas, fofinhas) são a nossa perdição, irresistível tentação. Por isso, o homem nas mulheres de todas as raças…«até albina…dá-lhe!». É, contudo, uma música obrigatória para aquecer muitas das boas farras de Moçambique. Ouvi dizer que tem havido alguma discussão a propósito do tema. Tanto quanto me parece, a causa da polémica é o «até». Quanto ao resto, tá-se bem. Dramático?

Thursday, September 14, 2006

Escola de homens?

- D., que arranhão é esse na testa?
- Não é nada!
- Não é nada?! Como fizeste isso?
- Enquanto dormia, talvez…
- Não é possível…mostra-me as tuas unhas. O que se passou?
- Deixa-me ver ao espelho.
- Vês? Como foi isso?
- Foi na escola. Já passou…

A vantagem de não sair ao(s) seu(s)...

Wednesday, September 13, 2006

Fair play II

Parabéns (também pelo slogan ecológico)!

Tuesday, September 12, 2006

Nosso género

Assumimo-nos cada vez mais como um excelente caixa de ressonância de paradigmas, conceitos e problemas. Pouco importam os contextos em que tais enunciados surjam e se desenvolvam, muito menos as intenções que persigam. Adapatamo-nos ao que se proporciona. Não deve haver terreno mais fértil para popularizar tudo que não sejam soluções. A criminalidade toma conta da cidade de Maputo. No jogo polícia-ladrão os papéis estão cada vez mais confundidos. A arena está manchada de sangue. É escusado exigir que se assumam responsabilidades políticas (e de outra natureza, se for o caso). Oferecem-nos, assim, a habitual transferência de altos quadros da polícia. Perante este quadro, uma pergunta de um jornalista, uma interpelação retórica que sugere uma solução empacotada para o drama que se vive: «com mais de vinte movimentações, senhor ministro, o género está onde?»

Friday, September 08, 2006

Formas e substância

Depois de testemunhar certas pressões e ansiedades do pós-operatório, acredito cada vez mais que, para além de razões de saúde e/ou culturais, há motivações estéticas em torno da circuncisão.

Wednesday, September 06, 2006

Please call me

Neste post resmunguei contra a febre invasora da publicidade da m-cel. Um dos serviços criados situa-se na mesma linha, testa a nossa capacidade de resistência contra intromissões excessivas: please call me. Trata-se de uma resposta criativa aos já tradicionais bips que muito custa aos destinatários dessas solicitações. Custa sobretudo o facto de se sentirem coagidos (muitas vezes por pessoas estranhas) a telefonar, ainda que por uma questão de princípios não o façam. Claro, são também obrigados a protestar contra a (des)ordem de valores. A avaliar pela insistência com que o faz, imagino que o calleiro se sinta no direito de receber uma chamada. Constroem a lógica dos tempos. Sem dúvida que o estudo do mercado foi muito bem apurado, o que me leva a especular se a opção pelo please call me não será uma questão de coerência identitária.

Monday, September 04, 2006

Culpa difusa

Uma forma de cooptação (perversa) do ideal da responsabilidade partilhada: «todos somos parte do problema». Mas o pior é continuar na plateia deste espectáculo…

Saturday, September 02, 2006

Inércia histórica?

Hoje na abertura do jogo contra o Senegal, de apuramento para o CAN-2008, a banda senegalesa entoou o hino antigo de Moçambique. O desconforto dos jogadores foi visível. Dário ainda cantou o hino (o antigo). Não deixa de ser nosso. Imagino que nos próximos sejamos brindados com o entretenimento das (des)culpabilizações, temperadas com lições de patriotismo. Apesar de tudo, foi uma barraca com estilo que me leva a pensar que o aqui escrevi poderá fazer algum sentido. Terá sido um truque?