Wednesday, November 30, 2005

Pica

Estar seis no hospital à espera de uma consulta é tempo mais que suficiente para testemunhar coisas sem fim. (In)esperada para quem pode custear uma «consulta especial» no Hospital Central de Maputo, neste caso, a demora(?) deveu-se a uma sucessão de acontecimentos. O médico foi-se embora sem atender ninguém, porque não tinha qualquer sala disponível. As enfermeiras puseram duas alternativas: marcar nova consulta lá para o fim de semana ou ser atendido por outro médico. Para quem se contorce com dores, a opção é óbvia. Fez-se a transferência, claro fincando para o fim da bicha (por cá o termo não tem outra conotação). Chegada a vez, o médico indignado remete o doente para outro especialista. Claro, não se esperava outra solução, pois para quem se queixa de problemas intestinais (com intervenções cirúrgicas à mistura), um pneumologista não será, certamente, o especialista recomendado. Lá se fez nova transferência, uma vez mais remetido para o último lugar da bicha. De modo que, entre marcações, desmarcações e transferências, acompanhei uma pequena história que podia ser a minha.
Não havia como convencer uma criança (cerca de 8 anos) a apanhar uma injecção. Compreende-se, é horrível! Avó, avô, mãe e tia (autêntica delegação familiar!) acompanhavam a miúda. Esforçaram-se em argumentos, belos discursos sobre as vantagens das «picas» e os perigos das doenças, ao que ela categoricamente respondia - «não, não quero pica!». Ensaiaram exercícios democráticos, como provavelmente recomendam os livros -«a solução está nas tuas mãos, tu é que decides…». Escolheu continuar doente. Outra criança, que entretanto chegou, empenhou-se, a pedido dos pais - «não dói nada, eu já apanhei». Não foi convincente. A miúda gritava e esperneava ante tentativas de aproximação por parte dos enfermeiros e serventes. Nos bancos já se discutia sobre as virtudes do sistema hospitalar de outros países - «esta gente aqui também não sabe como trabalhar. Em Portugal os hospitais para crianças têm desenhos e brinquedos, a criança não dá conta que está no hospital e tudo acontece naturalmente». Outros sentenciavam soluções drásticas - «as coisas mudam, no meu tempo era só agarrar e picar!». Não percebi a astúcia que estaria por trás da intervenção de um enfermeira que ia a passar conduzindo uma cadeira de rodas – «senta aqui!». Foi debalde. Era um autêntico alarido no corredor. Finalmente, sem mais recursos, a mãe avisou que ia ligar ao pai. Passou o telemóvel à filha. Depois de uma breve conversa com o pai, em sossego, serenamente, foi apanhar a «pica». Outras cogitações se levantaram entre os presentes – maior poder de persuasão dos homens? Autoritarismo do pai? Desgaste da miúda? Alguém ainda revisitou a crítica feminista sobre o patriarcado. Não sei o que o pai terá dito. Pus-me a pensar que se tivesse ouvido as mesmas palavras, muito provavelmente hoje as minhas idas ao hospital fossem menos angustiantes…

Monday, November 28, 2005

Feira do pau

A feira do pau é uma das imagens de marca de Maputo, um dos destinos mais apetecidos dos turistas e de quem aprecia o artesanato moçambicano. Nos últimos tempos, muitos visitantes têm gabado a diversidade da oferta, encantando-se com algumas das coisas mais criativas que por cá se fazem. O local onde a feira sempre funcionou, a praça 25 de Junho, está em reabilitação. A obra é do Conselho Municipal, financiada pelo Banco Mundial. Os feirantes foram obrigados a mudar-se para o passeio da feira popular, que não fornece o mínimo de condições para trabalhar. Não sabem se no final das obras regressam para o mesmo lugar. Desconfiam que haja interesses mais poderosos e que a transferência seja definitiva. Esperemos que estejam enganados (ou que haja uma alternativa melhor). Mas o facto de, como afirmam, se terem confrontado com a ordem de retirada, sem que houvesse qualquer informação (e debate) sobre as soluções encontradas, é mau sinal. E é mau exemplo para a democracia que tanto se apregoa. A propósito, ouvem-se por lá desabafos eloquentes - «nas eleições voltaremos a ser moçambicanos».

Friday, November 25, 2005

Trocas

A experiência que hoje vivi fez-me pensar que acrescentaria pelo menos mais uma coisa aos deliciosos «vazios rituais» de Bruno Martins. Apanhei o chapa, destino Museu/Fomento. Tenho vindo a constatar que a crise nacional também aqui se reflecte. Estava vazio. Deliciava-me com o facto de ser o único passageiro. Não evitei um sentimento egoísta, vingava-me, numa única viagem, contra os longos anos de apertões, apalpões, empurrões, rasgões e de desespero por ar respirável. Chegado à uma das paragens mais importantes (com maior movimento), os poucos potenciais passageiros teimosamente escolhiam os chapas da concorrência, com música, distribuição de publicidade de supermercados e chamamentos mais sugestivos. O chapeiro fez contas à vida. Porque seria ele obrigado a cruzar a cidade com um único passageiro?! Este mundo não está para esses sacrfícios, não pode ser...! Vejo-o encostar-se sucessivamente a diferentes chapas que seguiam o mesmo destino. Percebo que regateia qualquer coisa e que, de algum modo, eu entrava no negócio. Ao fim da quarta tentativa, consumou-se: trocou-me por um lugar estratégico na paragem dos chapas. Fui obrigado a mudar de chapa. Antes de sair, ainda ouvi um pesaroso «desculpa lá, mais velho…». Cheguei mais cedo ao meu destino, mas inevitavelmente incomodado por ter sido objecto de troca...

Thursday, November 24, 2005

Revitalização da indústria nacional: algumas ideias

Os posts a crise da indústria metalúrgica de Moçambique, nomeadamente sobre a Maquinag e IMA, suscitaram comentários de José Paulo, alertando que os «tempos de desesperança» afectam todo o sector industrial do país. Num dos comentários, avança com algumas ideias para a revitalização da indústria moçambicana. Tendo sido por ele autorizado para destacá-las no blog, aqui vão.
Penso que ainda há uma saída se por um lado, o Estado assumir as suas responsabilidades na elaboração e implementação de uma verdadeira política de desenvolvimento industrial e nacional, após o desvario das privatizações, assente em:
- estimulo à ligação escola-empresa (universidade-empresa, se preferirem);
- incentivos à criação de empresas por parte de jovens técnicos saídos das universidades e/ou escolas técnicas;
- incentivos à reorganização/reengenharia das empresas, bem como aos investimentos de inovação e desenvolvimento, em conjunto com um adequado sistema de financiamento bancário;
- alteração da legislação fiscal e aduaneira, favorecendo por um lado os empresários que invistam nas suas empresas em equipamentos de modernização e na criação e manutenção de postos de trabalho e por outro, penalizando em termos de pauta aduaneira os produtos manufacturados e aligeirando a importação de matérias-primas;
- fomento da exportação de produtos acabados e com valor acrescentado, particularmente da agro-indústria (não falemos das fábricas de descasque de cajú...);
- incentivo à instalação em Moçambique de grandes empresas ligadas à agro-indústria, garantindo a introdução de novas técnicas de cultivo e potenciando a ligação e a elevação da produtividade de pequenos e grandes produtores agrícolas, para o abastecimento local e a exportação de bens alimentares;
- forte incentivo e investimento na qualificação dos trabalhadores e dos quadros, por intermédio de programas de formação-acção (combinação de formação teórica em sala com a formação prática no posto de trabalho);
- outra questão importante seria a coordenação com o Ministério da Educação para o lançamento de programas visando os profissionais em situação de analfabetismo funcional.
Com o fluxo de fundos provenientes das mais diversas fontes, não é difícil montar e defender junto dos financiadores externos programas deste tipo.Em segundo lugar, uma saída poderá ser encontrada, se as associações empresariais (na indústria em particular, a AIMO e a CTA) se preocuparem, de facto, em defender uma estratégia de desenvolvimento industrial e de pressão junto dos ministérios económicos, propondo políticas e sistemas de incentivos, estimulando as empresas a modernizarem-se em tecnologia, em sistemas de gestão e eficiência organizacional e investindo, elas também, na formação profissional e na elevação da qualificação dos seus associados, principalmente em termos de gestão estratégica.
Por último, o papel a desempenhar pelas associações sindicais, ultrapassando a mera defesa dos postos de trabalho sem qualificação e da elevação das remunerações, assumindo a necessidade de sacrifícios para garantir a manutenção de postos de trabalho e de acumulação de capital para o investimento, mas também defendendo o direito à formação para a requalificação e o direito à informação. Isto poderia ser conseguido por intermédio de pactos (acordos) sociais com um plano estratégico de desenvolvimento das empresas, previamente acordado.Outras pessoas estarão certamente mais habilitadas para responder a esta questão, mas o que conheci e conheço da indústria moçambicana, sempre me levou a acreditar na capacidade dos trabalhadores moçambicanos, na sua vontade de aprender, desde que adequadamente enquadrados e mobilizados em torno de um projecto que vise a perenidade das empresas e o bem comum, com uma forte liderança e adequada comunicação. Conheci e conheço gente empreendedora, que assumiu a gestão e a propriedade de diversas empresas, as modernizou e transformou em exemplos de gestão, paz social e mesmo internacionalização, competindo com vantagem com empresas sul-africanas e de outras origens.Não me parece que tenha desaparecido a disponibilidade que vi nas pessoas em estudarem depois do horário de trabalho, a sua apetência para aprenderem novas técnicas como aconteceu com os operários que frequentaram os centros de formação, bem como o interesse em saberem da real situação técnica-económica-finaceira das empresas onde trabalhavam. Não me parece que todos os quadros forjados nestas décadas de independência tenham perdido a sua competência técnica, capacidade de análise e de abnegação.
Estou a recordar-me de tempos idos? Que seja! Foram experiências que ficaram e de que me orgulho e que serviram para provar que existem outros caminhos possíveis, se a isso estivermos dispostos.
Abraços.
PS: Penso que está a decorrer um forum no sentido da definição de uma política industrial, mas não tenho tido informações sobre o assunto. Há também um texto produzido pelo Dr. Castel-Branco sobre o desenvolvimento industrial mas não o tenho em meu poder.

Wednesday, November 23, 2005

Sugestão

E por falar em liberdade, aqui vai uma sugestão que circula pelo mundo e que me chegou através de uma amiga. E porque não haverá liberdade sem música, liguem o som.

Tuesday, November 22, 2005

Carlos Cardoso

Carlos Cardoso foi assassinado há cinco anos. Os culpados (alguns, comenta-se) foram condenados. A avaliar pelas declarações no julgamento, muito ficou por esclarecer. Não faltam indícios de envolvimento de gente graúda no caso. Ao ministério público caberá dar seguimento ao caso. Repor a verdade sobre a morte de Cardoso continua a ser um dos maiores desafios do judiciário moçambicano. O aprofundamento da democracia também impõe que se cumpra a premência de um poder judiciário forte e independente.
Hoje, como em todos os anos nesta data, a família de Carlos Cardoso, os amigos, colegas, etc., reunidos no local do crime, homenagearam Carlos Cardoso. Sem dúvida, momento importante de confraternização, de solidariedade e também de luta, mas pouco resultado terá se no dia-a-dia não preservarmos o legado de Cardoso.

Outras lutas

Um livro de denúncia contra o colonialismo, publicado em 1962, com prefácio de José Craveirinha. Foi dedicado à «juventude de Moçambique, de toda e qualquer raça». A publicação do texto de Daniel de Sousa «o negro e as formas da inteligência», na separata do Notícias de 13 de Maio de 1954, provocou a reacção de Rita Ferreira. No livro, autor dá-nos conta, primeiro, do debate que travou com Rita Ferreira, importante contributo para a desmistificação da questão da superioridade das raças. Em seguida, publica o texto «o indígena e a civilização», inicialmente elaborado para apresentação no II Congresso da Sociedade de Estudos de Moçambique, realizado em 1960, mas que «por indicação de S. Ex.a o Senhor Governador Geral de Moçambique» foi excluída, sem que fosse apresentada qualquer justificação. Esta atitude levou com que Tito de Moais se demitisse do cargo de Secretário da Direcção de Medicina e Biologia da Sociedade de Estudos. Daniel de Sousa questiona a ideia do colonialismo brando e das falsas comparações com regime do apartheid e centra a sua análise nas relações económicas coloniais: «o racismo é, assim, essencialmente, um problema económico, uma variante banal da luta classes». Contra o ensamento dominante na época, assume como inevitável a independência dos povos africanos: «supor imutável a rigidez e a própria constância da situação colonial, nos moldes tradicionais ou mesmo de adaptação, oferecidos pelas grandes potências industriais, é negar a evolução histórica dos povos. Esperar a transformação social sem perder a posição de domínio, continuar a manter a maioria indígena e a minoria branca, como meras realidades numéricas, na convicção se serem eficazes os métodos artificiais de associação, de assimilação ou de integração, é esperar a história resolver o nosso próprio destino, e perder, afinal, por obcecação, inconsciência ou ignorância, esse mesmo domínio que tanto se deseja». Outras lutas, que são a mesma luta.

Sunday, November 20, 2005

A esquina é minha

Perturba-me a guerra dos ardinas, cada vez que alguém se aproxima para comprar jornais. É uma aflição. Há sempre uma corrida muito disputada, com empurrões de ombro (bem à jogador de futebol) e insultos pelo meio, com riscos de serem atropelados. Perguntei a um amigo porque não faziam uma escala rotativa, imagino que permitiria que todos vendessem, sem luta. Explicou que essa racionalidade não fazia sentido para quem, como ele, tem que garantir rapidamente o dinheiro para a refeição do dia, que nunca é certa - «a regra é quem vê primeiro o cliente, às vezes é difícil saber, mas há sempre quem tem a mania que é mais esperto» explica-me. Deve haver um pacto momentâneo de guerra. À seguir estão todos à conversa no passeio ou unidos noutra guerra contra outros concorrentes - «somos todos brothers. O principal problema são aqueles que não são da esquina, aí já são problemas. Alguns até dizem o meu pai era ardina e deixou esta esquina para mim. E se te disserem só isso, já é sorte, porque podes até levar porrada!», conta-me. Ele próprio teve um processo gradual de ascensão na carreira. Começou por ser intermediário de outro ardina, até ter o seu próprio negócio e conquistar um lugar na esquina - «agora até fazemos sociedade para comprar muitos jornais porque dá desconto». Há, apesar de tudo, lugar para pactos ocasionais com estranhos à esquina - «o gajo de fora não pode vender os jornais com pouca saída, até nós acabarmos os nossos e ainda nos orienta um taquinho no fim». Nunca se quebram as regras, assegurou-me. Sabe-se lá o que aconteceria se a regra fosse violada - «experimenta…!», desafia-me, acrescentar mais nada. A gravidade com que o exclama fala por si...

Friday, November 18, 2005

Em tempo de paz

Thursday, November 17, 2005

Era o que faltava...!

Aí vai uma notícia publicada na edição de hoje do Público.



Ministro francês diz que poligamia é causa dos motins
Ana Navarro Pedro, Paris


Gérard Larcher adopta uma tese da extrema-direita. "É uma escalada racista delirante", acusa um responsável socialista.
Todas as causas possíveis da crise de violência nos subúrbios franceses já tinham sido evocadas e analisadas nas últimas três semanas - o desemprego, a discriminação racial, escolaridade insuficiente ou precariedade das condições de vida nos guetos - mas uma nova "explicação", até agora evocada só pela extrema-direita, foi subitamente avançada por um ministro e pelo patrão da maioria parlamentar: a poligamia. O primeiro a soprar nas brasas foi o ministro para o Emprego, Gérard Larcher. Numa entrevista ao diário britânico Financial Times, Larcher afirmou: "A poligamia de certos imigrantes é uma das razões da discriminação racial que encontram no mercado do trabalho. Já que uma parte da sociedade demonstra um comportamento anti-social, não é de espantar que certas minorias étnicas tenham dificuldade em encontrar emprego."

As declarações do ministro surgem numa altura em que o Governo conservador estima necessário restringir a imigração e endurecer as condições de entrega de vistos. O presidente do grupo parlamentar do partido maioritário UMP (União para Um Movimento Popular), Bernard Accoyer, afirmou também na rádio RTL que a "poligamia é certamente uma das causas" dos distúrbios que grassam nas periferias francesas desde há três semanas.

Esta polémica sobre uma prática proibida em França, mas que afectaria umas 10 mil a 20 mil famílias africanas (entre uns três milhões de imigrantes do continente africano), foi denunciada pela oposição socialista como uma "escalada racista delirante" de políticos da maioria. "Como o presidente do grupo UMP e o ministro não querem evocar as responsabilidades da política do Governo nesta crise, arranjam um assunto exótico para servir de bode expiatório", indignou-se Malek Boutih, secretário nacional do Partido Socialista Francês (PSF) para as questões de sociedade.

Teses xenófobas de Le PenPara Pierre Henri, director-geral da associação France Terre d"Asile, explicar a crise dos subúrbios pela poligamia, obedeceria a um plano: "O que está em causa por detrás destas declarações é arranjar causas para atacar o direito ao reagrupamento das famílias de imigrantes, garantido pela lei francesa e pela União Europeia."

Agitada desde há muito nas teses xenófobas do partido de extrema-direita Frente Nacional (FN), a questão da poligamia nunca fora evocada por membros de um partido parlamentar. E menos ainda por um ministro e pelo patrão dos deputados da maioria. Mas o diário Libération ressalva uma "derrapagem" sobre este tema da historiadora e especialista da antiga União Soviética, Hélène Carrère d"Encausse, numa entrevista à televisão russa: "Se as crianças africanas andam pela rua, é porque muitas dessas famílias são polígamas." Ora, a "explicação" fora lançada dias antes pelo semanário conservador Le Point, que afirmava, mas sem o demonstrar com números, que uma "grande parte" dos adolescentes presos nos distúrbios tinham nascido em famílias polígamas da África Negra. A 10 de Novembro, o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, apontara também a poligamia como um dos "problemas" dos filhos de imigrantes de África.Observadores da imprensa francesa vêem nesta escalada mais um episódio - perigoso, porque capaz de suscitar reacções irracionais e incontroláveis - das tomadas de posição eleitoralistas que a crise dos subúrbios inspira à classe política, na perspectiva das presidenciais de 2007.

Wednesday, November 16, 2005

Desespero na IMA

Com a maquinag, dei um exemplo de desestruturação da indústria metalúrgica moçambicana. Um dos visitantes do blog (José Paulo) mostrou que há tantos outros «exemplos de desesperança» no país. Hoje, como em todas as quartas-feiras, dezenas de trabalhadores da IMA reúnem-se na sede do Conselho da Cidade da Organização dos Trabalhadores Moçambicanos. Procuram saber dos dirigentes do respectivo comité sindical como correm os processos de negociação para o pagamento de compensações e salários em atraso. A Fábrica, com capitais privados e do Estado, fechou. Segundo os dirigentes do sindicato, não resistiu à concorrência de produtos (mais baratos) importados da África do Sul. Não conseguindo amortizar as dívidas contraídas num banco, foi executada. Não houve, contudo, qualquer processo de declaração de falência, afirmam. Suspeitam que haja maquinações macabras. Não adiantam pormenores, mas não escondem a inquietação. Os órgãos judiciários estão à margem destes problemas, lamentam. Em princípio, na sexta-feira, os trabalhadores da IMA assinarão um acordo com o Instituto de Gestão de Participações do Estado, com vista ao pagamento das compensações e salários em falta. Contudo, com o encerramento da fábrica, adivinha-se o agravamento dos problemas sociais - «demos a nossa vida pela empresa e agora vamos para a rua...as máquinas da empresas estão lá paradas...», queixam-se dos tempos. Ainda que lamentem o desamparo, não estão resignados...

Mali

Através do resistir, fico a saber que Mali recupera o controle da água e da electricidade, contra as políticas do FMI e Banco Mundial. A propósito, em Janeiro de 2006 realizar-se-á, em Bamako, uma das edições policêntricas do Forum Social Mundial.

Monday, November 14, 2005

Exposição


O mercado de móveis floresce em Maputo. A oferta adapta-se aos contextos e à diversidade da procura. Para a maioria das pessoas, a solução é o mobiliário de fabrico caseiro, artesanal. É mais barato. À beira da estrada, multiplicam-se brindes de modelos, estilos, formas e cores. Em exposição exibem-se as potencialidades dos artistas. Para os clientes mais fantasiosos, produz-se à medida dos seus sonhos. Também se pode pagar a prestações, sem juros. Não circulam cheques, paga-se em dinheiro. Para o crédito, basta uma palavra de confiança. Claro, prudentemente, conhece-se a casa do cliente. O negócio à porta de casa vai fluindo. Questiono-me se acontecerá o mesmo com o comércio megalómano das «grandes» superfícies, sobretudo nos actuais tempos de crise. De que viverão esses empresários?

Links deslinkados

E o nkhululeko, no post anterior, remete para um link deslinkado...acessível apenas com palavra-chave. Aí vai a cópia da entrevista ao Rui Marques, publicada na edição de hoje do «Público».
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Integração de imigrantes passa por modelo multicultural

O novo alto-comissário para a Imigração e Minorias Étnicas pretende fazer uma pequena revolução na política de integração de imigrantes em Portugal. A palavra-chave é multiculturalismo, interculturalidade. E parte deste princípio: devemos aceitar que pessoas doutras culturas, quando sentadas à nossa mesa,não sejam obrigadas a usar talheres. O responsável diz ainda que em Portugal, em todo o caso, não existem condições de exclusão social tão graves como as que geraram recentemente os motins em França. Por Ricardo Dias Felner (PÚBLICO) e Graça Franco (Rádio Renascença)

Rui Marques acredita que em Portugal se pode aplicar o modelo multicultural do Canadá. A ideia é respeitar a diversidade cultural de cada minoria, mas conseguir criar nestas comunidades um sentimento de pertença ao país que as acolhe.
PÚBLICO - Há sinais de que os últimos acontecimentos em Espanha e em França poderão provocar uma onda de xenofobia na Europa. Como vê este fenómeno?
Rui Marques - É evidente que existe uma onda de fechamento. A Europa está a viver um tempo triste em que se está a fechar numa concha, erguendo muros e barreiras à sua volta. A opinião pública espanhola era das poucas que se mantinham abertas, agora restamos praticamente só nós, os portugueses. Curiosamente, a mudança na opinião pública espanhola decorre não de medidas de um governo xenófobo e de direita, mas de políticas muito generosas e abertas de um governo socialista.
Está a falar do processo extraordinário que legalizou perto de 700 mil imigrantes clandestinos. Acha que esse processo teve um efeito de chamada que originou depois a pressão sobre as fronteiras de Melilla e Ceuta?
Exactamente. Mas os problemas em Melilla e Ceuta são anteriores. Sempre existiram, mas só agora se assumiu um drama devido a um efeito de chamada muito grande.
Acha que Espanha, por exemplo, chegou ao ponto máximo de admissão de imigrantes?
Não creio. A possibilidade de entrada de imigrantes depende de cada país e de cada contexto, bem como do desenvolvimento económico e do estado social de cada país. Se tivermos consciência que o Canadá tem 19 por cento de imigrantes e que a Suíça tem 20 por cento, vemos dois exemplos que têm mais do dobro da percentagem de imigrantes do que Espanha. E são países, nesta altura, com total paz social. Sobretudo o Canadá, que é para mim a referência, o farol em termos de políticas de imigração.
Porquê?
Porque o Canadá assumiu de uma forma muito clara o verdadeiro modelo multicultural, ou melhor, intercultural: no sentido de uma dupla pertença. Propõe a todos os imigrantes que rapidamente atinjam o estatuto de plena cidadania, fazendo parte integrante da nação canadiana e assumindo-se canadianos, e ao mesmo tempo aceita e estimula a diversidade cultural. Estamos a falar de um país onde entram 250 mil imigrantes por ano, num quadro de 30 milhões de habitantes.Mas no Canadá há cidades com quase 40 por cento de imigrantes.
O Canadá e a Europa não têm contextos históricos e geográficos diferentes? Podemos importar o modelo do Canadá para Portugal?
Temos a aprender com todos os países do mundo. E não tenho dúvida nenhuma que a Europa precisa de olhar para o modelo do Canadá. E precisa de voltar a ser a Europa, precisa de se encontrar com a sua origem e o seu fundamento. Aquilo que constituiu a Europa foi o seu princípio de solidariedade e de partilha de riqueza. A ideia em 1950, de Robert Schuman, era construir a paz a partir destas ideias e da existência de um núcleo de valores comuns e da aceitação da diversidade.
Mas esse modelo multicultural não foi já testado na Grã-Bretanha e na Holanda?
Há uma pequena grande diferença. É que aquilo que o Canadá cultiva como sentido de pertença à nação canadiana, nenhum país europeu, mesmo os multiculturais, o fizeram. É que o Canadá transforma todos os estrangeiros em canadianos de pleno direito. A Grã-Bretanha e a Holanda tentaram fazer isso, só que sem sucesso, porque são sociedades mais complexas...Não tentaram.
O que significam então os polícias em Londres de turbante?
Isso é um passo extraordinário, é um bom passo. Mas, a meu ver, não simboliza tudo na construção do sentido de pertença. O grande desafio que se coloca às sociedades que têm de gerir a mobilidade humana, e basicamente são todas, é de o conseguirem incutir o sentimento de pertença de todas as pessoas à comunidade onde no momento estão. Isto é difícil, porque temos normalmente um raciocínio cartesiano, muito típico da influência francesa, que é este: "Ou estás connosco, és como nós, e pertences à nossa comunidade, ou se és diferente não pertences à nossa comunidade".
Quando eu convido alguém para almoçar comigo não é normal que eu exija que todos comam com talheres?
Não é obrigatório. Eu acho possível sentar à mesma mesa pessoas com registos culturais, históricos e religiosos completamente diferentes.
Com pratos diferentes, instrumentos diferentes?
Exactamente. Em contexto global, é isso mesmo que temos que fazer. O grande perigo que corremos é querer que toda a humanidade se sente à nossa mesa comendo com os nossos talheres e com a nossa culinária.É, portanto, favorável a um modelo multiculturalista.
É esse modelo que vai aplicar no ACIME?
É, construir um Portugal intercultural. É verdadeiramente essa a nossa proposta.
Tem noção que vai começar praticamente do zero?
É uma proposta nova.
Vamos então a um caso concreto. Defende escolas só para algumas comunidades imigrantes, com currículos especiais?
Não, a interculturalidade não é isso. Isso são versões suaves de multiculturalismo, versões de segregação, de separação de diferentes comunidades. Mas parece que a escola portuguesa não interessa muito aos filhos dos imigrantes...É um preconceito.
O insucesso escolar nestas comunidades é um preconceito?
Mas o insucesso escolar não tem que ver com o interesse na escola portuguesa. Temos todos a ganhar com a aceitação da diversidade. De ver a realidade a partir do ponto de vista do outro.
Então defende o ensino igual para todos?
Não, é outra realidade que também não é aceitável. O meu modelo de escola é também a aplicação do princípio Uma mesa com lugar para todos [título de um livro que o entrevistado publicou recentemente sobre imigração]. Ter um programa pedagógico e curricular comum, mas se se conseguir introduzir nesse programa os conteúdos da diversidade, explicar que existem naquela escola meninas e meninos que vivem de uma forma diferente, tanto melhor.O desafio que se coloca às sociedades que têm de gerir a mobilidade humana, e basicamente são todas, é de o conseguirem incutir o sentimento de pertença de todas as pessoas à comunidade onde no momento estão. Isto é difícil, porque temos um raciocínio cartesiano, típico da influência francesa, que é este: "Ou estás connosco, és como nós, e pertences à nossa comunidade, ou se és diferente não pertences à nossa comunidade"

Mesa Multicultural

Multiculturalismo é um dos temas mais controversos dos últimos tempos, quase sempre mobilizando posições polarizadas. O mundo pouco tem avançado nesta questão. Há, no entanto, algumas propostas ousadas, para os tempos que correm. Rui Marques, Alto-comissário português para a Imigração e Minorias Étnicas, autor do livro Uma Mesa com Lugar para Todos - Para uma visão humanista da imigração, avança com propostas concretas. A metáfora da mesa pode ser uma janela importante para a partilha de sabores, saberes, sonhos e tudo mais que a humanidade se propuser.

Sintoma de velhice?

Raramente oiço rádio. Sintonizei uma estação ao acaso - «caros ouvintes, a esta hora já devem estar preparados com as vossas bags, os caps virados ao contrário e umas nikes à maneira. Claro, não me esqueço das nossas manas que devem estar a pilotar um tanque, um tanque de lavar a roupa, claro. Para vocês e para elas, aqui vai o som mágico do hip-hop, mother fucker». Desliguei !

Friday, November 11, 2005

Presente com história

Reminiscências de um passado de informação alternativa (e criativa) e de mobilização política. Testemunho colhido depois de convencer que não punha em causa a segurança nacional...


Rede de engates

Toca o telefone. Uma voz elegante do outro lado da linha impõe-se, antecipando-se ao questionamento de quem recebe uma chamada de desconhecidos. Recebe um cumprimento meloso, dirigido ao Calú. Podia ser qualquer outro nome, o mais importante é fazer adivinhar intimidades. Tenta explicar, sem nenhuma convicção, que deve haver algum engano. Não vá a memória nos atraiçoar, partilham contextos, episódios, lugares e às vezes confidências engenhosas. Traz à cabeça uma lista rápida de nomes de guerra…não, nunca se vestiu de Calú. Definitivamente, houve um engano, reconhece com tom perdedor, mas empenhado na sedução. Forçam cruzamentos aos destinos. Alinham em jogos de palavras, risos temperados e silêncios eloquentes, entre suspiros desfalecidos. Cumpre-se o destino! Só quem está em rede saberá…

Thursday, November 10, 2005

Maputo, 118 anos: o heroísmo das fortalezas...


Wednesday, November 09, 2005

A não perder


Exposição colectiva de cerâmica e pintura no Centro Cultural Franco-Moçambicano, organizada pela associação cultural ACHUFRE (tanto quanto percebi, por enquanto sem página de internet disponível – http://www.achufre.org/ – mas contactável através do e-mail: achufre_ass@teledata.mz).

Ca(u)sa do crime?


É incompreensível como este problema se arrasta por longos anos sem qualquer solução. As fotografias mostram uma casa situada na Avenida 24 de Julho, em frente ao Ministério da Educação, ocupada por jovens sem abrigo. Serve também de refúgio aos assaltantes (os mesmos jovens?) que operam nas imediações. Não há como entrar na casa, sem se correr riscos maiores. As queixas na esquadra da polícia mais próxima são abundantes. A polícia...não se dá ao trabalho...! Tanto quanto sei, os moradores dos prédios vizinhos solicitaram, sem sucesso, ao concelho municipal que fechasse a casa. É recorrente nosso país (e não só) que a discussão sobre a criminalidade se centre quase exclusivamente nas condições ou possibilidades de reacção contra os criminosos: mais polícia, melhor ministério público, tribunais eficientes, etc., relegando para plano secundário outras questões prementes, como a prevenção e o combate às causas dos crimes. Naturalmente que haverá soluções diferenciadas para cada tipo de criminalidade. O que está em causa naquela zona da cidade é a pequena criminalidade - roubo de carteiras, telemóveis e pouco mais. É mais um exemplo das tensões da nossa sociedade – por um lado, exclusão social e pobreza e, por outro lado, crime e insegurança – que requer soluções estruturais, preventivas, comprometidas com a integração social. Fechar a casa, por si, não será certamente a solução do problema.

Tuesday, November 08, 2005

Relações de trabalho

Cada um no seu lugar...

Monday, November 07, 2005

Tempos de desesperança



É o que resta da Maquinag, escombros. Foi a maior fábrica de carroçarias de Moçambique, a mais importante empresa de reparação de elevadores. Nos anos 80, lançou-se na produção de mobiliário, com sucesso. Foi atingida pela frenética onda de privatizações, encerrando centenas de postos de trabalho. Muitos dos trabalhadores se desencontraram no labiríntico processo de pagamento de indemnizações - «não vale a pena falar nisso», desistem perante maquinações indecifráveis. Lembro-me do percurso do Zé - «Fui colocado na Maquinag», anunciou altivo, não tanto por merecer a confiança do Estado, mas principalmente porque as estruturas tinham se demorado a discutir o seu futuro. O centralismo democrático exigia que fosse mesmo assim, que cada um hipotecasse o seu destino em nome do progresso, em nome da causa. O Zé cumpria todos os mandamentos partidários, era exemplar até nos sacrifícios. Interrompeu os estudos universitários e embarcou no sonho de construção do homem novo. Até na intimidade enterrava incalculáveis ismos e prometia aprumar outros tantos. Exibia, a qualquer pretexto, os êxitos da produção - «este ano ultrapassamos as metas...», perdia-se em monólogos sobre percentagens comparativas. Sem dúvida, a sua colocação foi merecida, ponderada e discutida com minúcia, livrando-se assim de sussurros semelhantes aos que caíam sobre alguns camaradas de luta, vítimas da astuta crítica popular que torna alheia a sua própria sentença: «dizem que» - «é familiar do chefe; estudou em russo; está habituado a trabalhar com tecnologia de ponta; é da segurança; é infiltrado; tem feitiço…», multiplicava-se histórias, teorias e, inevitavelmente, estratégias de defesa das conquistas. Guardo comigo um caderno de notas do Zé, com timbre do partido e estampado «unidade, trabalho e vigilância», essa trilogia que traduz os dramas de uma revolução. São apontamentos sobre a situação das unidades industriais nos primeiros anos de independência, são retratos apaixonados do país: entusiasmos, (des)organizações, (des)investimentos, sabotagens, reuniões, denúncias, emulação socialista, directivas, mas sobretudo esperança. Entretanto o mundo mudou e o Zé, ocupado em engenharias patrióticas, não deu conta. Os ismos que enterrara ressuscitaram e impõem-se com prepotência. A sua fábrica foi vendida, não sabe a quem, nem como. Ficou sem colocação, sem que nunca tivesse sido descolocado. Ainda participou em reuniões clandestinas para tentar reverter a situação - «já não há revoluções…», desistiu frustrado. Finalmente tentou seguir conselhos mais avisados - «esquece a política, luta por uma indemnização, agora é salva-se quem puder». Perdeu-se em animadas fórmulas de somar anos de trabalho, multiplicados por mais alguma coisa, mas foi debalde. Tudo se esfumou na sua vida. Dele nunca sai um lamento ou uma acusação contra os camaradas que abraçaram ismos inimigos, mas também nunca os menciona. Fecha-se em opacos silêncios, atraiçoados pelo escapar de um ou outro registo de experiências (revolucionárias) singulares. Durante vários anos contou com a solidariedade dos mais próximos para sobreviver, enquanto se entregava ao velho sonho de tirar um curso superior (talvez facilitasse uma recolocação). Ainda não conseguiu, mas persegue-o, reinventando projectos «verdadeiramente nacionais». Mas vida não permite tanto devaneio…procura salvar-se como pode.

Saturday, November 05, 2005

Outros zimbabwes

«If you have never been to Zimbabwe, this is Zimbabwe […] We use music to diffuse our tensions and frustrations».

Oliver Mtukudzi, 04 de Novembro de 2005.

Friday, November 04, 2005

Feitiços que viajam

O xicuembo que o rio traz à margem...

Sexta-feira !!!

«É sexta-feira, brother, não me atrapalha a vida!». É um dia de semana com sabor à fim de semana. Maputo tem uma agitação nervosa, ansiosa. As mágoas do quotidiano ficam para trás, engolidas pelos quatro dias precedentes. Cedo, ainda não se sabe muito bem o que o dia nos reserva, mas adiantam-se algumas fatalidades - «de manhã vou ao job, mas depois do almoço, djô, não contem comigo, não vale a pena»! Mas, para que a regra se cumpra, aceita-se com uma excepção condescendente - «só vou se houver alguma bolada nice». Pois é, à tarde é impensável tratar o que quer que seja em determinas instituições. Alguns, poucos, asseguram os postos, mas claro não há como tapar buracos... O pessoal baza...! O trânsito complica-se, os bufos (cinzentinhos e outros) excedem-se no zelo e demoram-se em apelos patrióticos - «a luz da matrícula não acende, não quer pagar imposto voluntário de reconstrução nacional»? Muitos não hesitam, dão generosas provas de patriotismo - «esses gajos ainda vão nos estragar o fim de semana...». Os destinos são vários, há um pouco de tudo, dependendo do bolso, estômago, fígado…e não falta quem acrescente órgãos impronunciáveis na cadeia de interesses. Aquece-se deliciosamente numa esquina nice até tarde - «estamos a tomar balanço, agarra uma calma, numa boa». À noite, a batida é louca! Edu evita os locais de requinte, adiantando explicações para si próprio - «não gosto daqueles gajos...gajos que seguram copos de uísque com guardanapo»! Recusa-se a ir para os lugares da moda -«é só putos e música de martelo, a não ser que haja um concerto fixe». Ruma para a periferia, com uma passagem entusiasmada pelos subterrâneos da baixa - «curte-se maningue e ninguém usa máscaras!», argumenta. Uma marrabenta e uma passada bem entrelaçada confundem corpos em cadência. A luz intermitente é cúmplice de segredos partilhados. Pela manhã, umas miudezas de frango ou dobrada noutros gones são um convite irrecusável para matar o bicho. Lá para o fim da tarde, faz-se o balanço…com omissões convenientes. E eu…hoje não perco o Oliver Mtukudzi, depois logo se vê. Deixo-me guiar pelos momentos. É sexta-feira, que não me atrapalhem a vida. Também é «dia do homem», mas isso fica para outra conversa.

Wednesday, November 02, 2005

Perguntas a Michel Cahen

Algumas perguntas que gostaria fazer a Michel Cahen, a propósito da entrevista publicada no DN e reproduzida no Moçambique para todos:

1) Portugal tinha a obrigação de impor um regime multipartidário em Moçambique? Essa posição já não seria paternalista?
2) Não serão artificiais todas as fronteiras político-administrativas?
3) O direito de autodeterminação dos povos foi reivindicado dentro dos limites (ou extensões) territoriais coloniais. Não é legítima a «apropriação» dos mesmos espaços para a construção de um Estado independente?
4) «O resto seremos nós a descobrir sem que nos digam como devemos fazer», disse um escritor moçambicano. O que acha desta afirmação?
5) Não é importante partilharmos futuros, em vez de nos dedicarmos a uma arqueologia de quiméricos passados pré-coloniais?
6) Qual o peso da guerra contra a Rodésia, África do Sul e Renamo no fracasso do projecto político da Frelimo?
7) Qual é o peso do isolamento de Moçambique no contexto da guerra fria?
8) «Os africanos têm uma relação muito forte com o espírito dos seus antepassados. Pelo que deixar as suas terras significava também deixar os antepassados para trás». Não acha que se está a guiar por estereótipos fora de moda?
9) Não será insuficiente conceber, recorrentemente, as autoridades tradicionais como vítimas? Não acha que a sua vitalidade política também resulta do facto de, enquanto instâncias de poder, serem capazes de mobilizar projectos de organização social e política, lutando contra manipulações do Estado?Não acha que se deve também falar em democratizar as autoridades tradicionais?
Em relação à pergunta (da entrevista) se os moçambicanos votaram «conscientes do que faziam» e à resposta «penso que sim», contenho-me…em silêncio!!!

O importante é sonhar...

Tuesday, November 01, 2005

(I)LEGITIMIDADES NA UEM

Os estudantes da Universidade Eduardo Mondlane estão divididos. Nas últimas semanas, um grupo de estudantes organizou uma manifestação, fechando as portas da universidade. Alguns protestam contra o regulamento que determina que a renovação de bolsas de estudos depende de aproveitamento em todas as cadeiras. Outros alegam que o que está em causa é a qualidade do ensino universitário. Insurgem-se contra a ausência dos professores (ocupados em tarefas muito bem pagas, nas universidades privadas ou em trabalhos de consultorias), clamam por melhor condições de estudo, exigindo tudo a que têm direito. Muitos outros situam-se entre estas e várias outras reivindicações, mas de forma subterrânea. Há ainda quem estrategicamente se remeta a um silêncio mais ou menos resignado, antes que se queime - «um gajo quer é safar-se desta merda, não me meto nessas coisas». Cada um lá terá as suas razões, sendo que esta salada autoriza-nos a suspeitar da exaltação da democracia moçambicana, com agressões policiais à mistura. Inesperada, é a posição da associação de estudantes (AEU). Nas duas últimas edições do jornal notícias, a associação publicou um comunicado, demarcando-se das reivindicações dos estudantes e das formas de luta em curso. Mais, avança acusações contra o «grupo de estudantes que protagonizou a paralisação da UEM»…«gente belicista», que supostamente «está a organizar um golpe contra a direcção da AEU». Onde é que já ouvi isto? A febre contra o inimigo, bandido de preferência, é ja uma questão ontológica. É intrigante que, em Moçambique, uma parte considerável de manifestações e greves sejam organizadas à revelia dos dirigentes associativos e sindicais. Estas (i)legitimidades de acção política bem que mereciam um estudo aprofundado…