Monday, October 31, 2005

Verdades em Movimento


O trabalho de Charles Boxer foi também importante para mostrar a complexidade das relações raciais no império português, desmistificando a ideia da natural adaptação aos trópicos, quase sempre com condimentos libidinosos. Em propalados tempos de pós-colonialismos, impõe-se uma explicação do mundo que transcenda a estática dicotomia colonizador/colonizado, até porque não são raros os exemplos da história em que estes sujeitos se dissolvem em várias outras formas de sujeição e de opressão. Não se pode, no entanto, apagar o acto de violência colonial, nem menosprezar a forma como (des)estrutura os Estados pós-coloniais. A propósito, é inevitável o eloquente desabafo de Homi Bhabha: there is a conspiracy of silence around the colonial truth, what ever it might be.

Sunday, October 30, 2005

Obstinação ou Obstipação Histórica?


Ao contrário do que muitas vezes é afirmado pelos moçambicanistas, a sociedade colonial não era estruturalmente racista nem comparável às situações verificadas nos países limítrofes como a África do Sul e a Rodésia do Sul (actualmente Zimbabwe). Desde logo porque, nunca é demais repetir, a matriz da Cultura Portuguesa em ambientes tropicais é a da convivência social. Isto é um bocado difícil de entender por parte da maioria dos moçambicanistas, por esta ser precisamente composta por anglófonos sem vivência nem conhecimento da dinâmica social da Cultura Portuguesa [...] A cultura portuguesa é inclusiva, ao contrário de outras, como a inglesa, a francesa e a espanhola, que são exclusivas, isto é, muito pouco abertas às culturas estrangeiras (pagina 205).

[Graça, Pedro Borges (2005). A Construção da Nação em África. Coimbra: Almedina]

Saturday, October 29, 2005

Polivalência e Redes


Já foi um posto de venda de produtos de mercearia. Aproximando-se a época das mangas, já há algumas tigelas de manga verde à venda. Por vezes engraxam e concertam sapatos. No últimos tempo, especializam-se em tubos de escapes. É ético explorar ou antecipar as necessidades do cliente e avançar prontamente as soluções. Se na conversa (que inevitavelmente se desenrola) o cliente precisar de um serralheiro ou de um electricista, também se faz um jeito. Para negócios mais requintados (compra/arrendamento de imóveis, venda de carros e outros), há sempre um intermediário, às vezes subcontratado, disponível - «posso mostrar, mais velho». Neste caso, regateiam-se comissões. E se for necessário desencalhar os infindáveis problemas burocráticos, há sempre um conhecido em cada instituição. Problema?! Isso é muito remoto: não há maca! Mas se houver barulho, é pá, resolve-se - «confia em mim, brother».
Não sei muito bem porquê, isto lembra-me o mundo das consultorias nacionais e internacionais.

Friday, October 28, 2005

Base Central da Resistência



É sexta-feira. Como em todas as semanas, hoje a base central dos madgermanes (grupo de trabalhadores regressados da República Democrática Alemã, muitos dos quais compulsivamente) estava ao rubro. Ante a curiosidade de um pseudo-bloguista intrometido, afastaram-se para que a base se exibisse e, claro está, para despistar o eventual bufo. Os riscos são sérios! Há vários anos que, enfrentando a prepotência do Estado, reivindicam o pagamento de pensões e indemnizações a que têm direito ao abrigo dos acordos de cooperação assinados entre Moçambique e Alemanha. Entre duas ou três cervejas, na base, partilham-se palavras de ordem, desvendam-se as contingências da luta que se trava e aprimoram-se críticas conta o governo, os EUA, o Banco Mundial, enfim, contra os «donos do Mundo», como eles próprios, com sarcástica mestria, os catalogam. É um movimento de luta solitário, sem precedentes na história de Moçambique. Das organizações e movimentos que se assumem como arautos dos desfavorecidos e do sonho de um outro mundo, contam apenas com um silêncio tenebroso. Porque será?

Thursday, October 27, 2005

Arrogância Divina



A ideia bíblica do padecimento transcende os limites de compreensão mundana da vida. Aliás, também à divindade, carente de racionalidade, escapa o entendimento do falar entrelinhado ou do concertar de destinos desencontrados. Só assim de percebe a razão de ser da desesperante agonia de quem, com unigénita propriedade, esperava um afago: «Pai, porque me abandonaste?!». Mais tarde foi compensado, sentando-se à direita da plenitude, forçam-se argumentos. Desculpem-me...com quem contamos?!

Tuesday, October 25, 2005

Profecias Com Chão

A propósito, é caso para dizer: há profecias com chão.

«Quando desencadeamos este processo, por um lado implantação das estruturas populares de poder político, económico e social, e por outro, o combate pela aquisição da nova mentalidade e comportamento, abrimos as portas a contradições sérias no nosso seio. Um descontentamento surgirá: todos os que ambicionavam explorar o povo, substituindo-se ao colonialismo, opor-se-ão a nós. Companheiros nossos da primeira hora que em principio aceitam os objectivos populares da nossa luta. Mas que na prática recusam o combate interno para mudar os seus valores e hábitos, vão-se afastar de nós, até ao ponto de desertarem, ou mesmo traírem» [Machel, Samora (1974). A Luta Continua. Porto: Afrontamento, pp 109-110].

Sunday, October 23, 2005

Reconciliação Sem Verdade?


Foi recentemente lançado em Maputo um livro perturbador de João Cabrita que descreve os pormenores do voo que levou à de Samora Machel. Assassinato ou acidente? Eis uma das questões mais intrigantes da história contemporânea de Moçambique que está ainda por responder. Já a publicação do livro de Bernabé Lucas Ncomo Uria Simango: um homem, uma causa, causara embaraços pouco contidos aos governantes moçambicanos, ao revelar uma versão da história da Frelimo descoincidente com a história oficial do movimento. A propósito deste livro, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos dizia que os relatos de Ncomo revelam que há ainda um «Moçambique por contar». Pois, há sempre algo por contar, é um imperativo ontológico que assim seja. Mas impõe-se-me a questão de saber se é possível uma reconciliação sem verdade (ainda que esta não se contraponha necessariamente à mentira). Terá Moçambique uma forma própria de expiação dos maus espíritos?

Saturday, October 22, 2005

E assim, com um post tropeçado (talvez uma reverência à experimentação do erro), começou a odisseia nkhululeko, que não se propõe a nada mais do que, desregradamente, percorrer a vida.

Percursos Sem Método

E assim, com um post tropeçado (talvez uma reverência à experimentação do erro), começou a odisseia nkhululeko, que não se propõe nada mais do que, desregradamente, percorrer a vida.